segunda-feira, outubro 31, 2005

UM POUCO DE TRANSPARÊNCIA, POR FAVOR!

É absolutamente incrível que muitas pessoas ditas esclarecidas continuem a procurar um único e exclusivo culpado pela falta de acesso aos medicamentos por determinada parcela da população brasileira e mundial e, convenientemente, encontrem o culpado na indústria farmacêutica.

As repetitivas alegações destas pessoas denotam falta de transparência sobre as verdadeiras razões para as ameaças e para a proposição de diversos Projetos de Lei impedindo o patenteamento de medicamentos para AIDS. Não informa, ao público ou à mídia, por exemplo, que o orçamento do Programa da AIDS para o ano de 2004 (cerca de R$ 540 milhões) é quase 15% menor do que o orçamento do programa em 1999 (cerca de R$ 620 milhões) e que, como conseqüência, o orçamento do programa que já foi 3,2% do orçamento do Ministério, hoje representa apenas 1,8% do mesmo.

Além disso, este orçamento menor foi suficiente para que em 2004 se tratasse o dobro do número de pacientes (155 mil) tratados em 1999 (76.000).

Embora esses números sejam (repentinamente) alterados sem que se explique a razão, tenho cópias de documentos baixados de sites oficiais e de apresentações feitas por membros do governo, inclusive de março deste ano, que apresenta os números como mencionados acima.

A idéia de que se pode tratar, a cada ano um número maior de pacientes por valores que diminuiriam ano a ano denota falta de responsabilidade. Sim, porque o governo é responsável por orçar seus gastos e o faz mal. Segundo dados divulgados pelo jornal “Folha de São Paulo”, este mesmo governo gastou em propaganda (para falar bem de si mesmo) R$ 525 milhões em 2004 e vai gastar R$ 620 milhões até o final deste ano.

O livro “The Cost of Rights”, escrito por Stephen Holmes, Professor de Política da Universidade de Priceton e por Cass R. Sunstein, Professor de Filosofia do Direito da Universidade de Chicago, explica bem que direitos custam dinheiro e que os governos devem estar preparados para pagar pelos direitos que concede. Este não parece ser o caso do Brasil, cuja constituição é pródiga na distribuição de direitos e bastante módica na indicação das fontes de receita que pagarão pela concessão desses direitos.

Os ativistas com o real sentido da responsabilidade que lhes cabe não podem aceitar gastos governamentais em propaganda em 2004 praticamente do mesmo valor que o gasto na compra de medicamentos para AIDS.

Dito isto é necessário que se desfaçam definitivamente as dúvidas geradas por informações baseadas em mitos sobre as patentes, em nome da transparência:

1- As leis de patentes não são novas. As mais antigas remontam ao ano de 1474. As leis internacionais, inclusive a Convenção de Paris de 1883, não fazem qualquer restrição ao patenteamento de medicamentos desde que obedecidos os mesmos pré-requisitos para patenteamento de qualquer outro produto.

2- As leis de propriedade industrial estimulam, sim, novas descobertas. Basta ver-se o número de novos medicamentos para toda sorte de doenças, descobertos nos últimos anos em países como Japão, Itália, Suíça e outros que passaram a observar direitos de propriedade industrial nos últimos 35 ou 40 anos. Da mesma forma, a aprovação da lei no Brasil colaborou para que os laboratórios locais, mesmo os do governo, apresentassem uma série de pedidos de patentes de medicamentos.

3- O tempo de exclusividade de um produto farmacêutico no mercado é, em média, de 10 anos e não de 20 como repetem pessoas que sabem exatamente qual é a verdade. Isto ocorre porque o prazo de 20 anos de uma patente começa a correr na data do depósito do pedido e, entre o processo de criação do produto, das pesquisas clínicas e da aprovação pelo órgão regulatório (ANVISA no Brasil) consome cerca de 10 anos.

4- Não há monopólio no tratamento de doenças. O que se patenteia é o medicamento (a molécula) que concorrerá (como de fato concorre) com outros medicamentos patenteados e ainda outros que já não gozam de proteção patentária. Quantos medicamentos patenteados e não patenteados há no mercado para o tratamento da AIDS, de hipertensão arterial, de hipercolesterolemia ou de infecções? Só para o tratamento da hipertensão arterial, há dezenas sem proteção patentária.

5- A descoberta de novos medicamentos e a continuidade das pesquisas são responsáveis pela redução da mortalidade e dos gastos em tratamento dos portadores de HIV/AIDS. Não há como negar. Aliás, as estatísticas do Ministério da Saúde permitem que facilmente se chegue a esta conclusão. Se a situação é diferente na África, e em alguns outros lugares do mundo, é porque não há infra-estrutura que permita que o medicamento chegue onde é necessário e não há médicos e clínicas para fazer o acompanhamento dos doentes. Portanto o que impede o tratamento não é a falta de medicamentos mas a falta de estrutura.

Finalmente, o Brasil não reconheceu patentes de medicamento de 1945 até 1996 – cinqüenta e um anos – e não reconheceu patentes de processos de fabricação de medicamentos de 1969 até 1996 – vinte e oito anos. Neste tempo todo, nem a indústria nacional, nem o governo se dedicaram como deveriam a criar uma indústria nacional de pesquisa e desenvolvimento. Hoje o Brasil tem uma indústria de base, na área farmacêutica, menor e muito menos ativa que as da Índia e da China, apenas para citar dois exemplos de países que hoje, também respeitam as patentes de medicamentos.

Agora, com a proteção dos direitos de propriedade industrial, talvez haja incentivo para que as empresas brasileiras iniciem seu caminho na pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos que serão necessários no futuro para tratar de patologias ainda sem tratamento definitivo.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Propriedade Industrial e Função Social

Já há algum tempo, autores, debatedores e, especialmente a mídia, tem dado uma interpretação excessivamente restritiva ao conceito constitucional da “função social da propriedade”.

A “função social da propriedade” está inscrita na Constituição Federal, no inciso XXIII do artigo 5o:

“a propriedade atenderá a sua função social;”

e no inciso III do artigo 170:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:”........................................................................
“III – função social da propriedade”;

No citado molde de interpretação – a meu ver míope - a função social de um determinado bem estaria inexoravelmente ligada ao acesso rápido e a baixo custo que a sociedade, como um todo, tenha a este bem, independente do custo e do tempo gasto no processo de invenção e desenvolvimento do mesmo. A facilidade do acesso ao respectivo bem seria obrigação, quase que exclusiva, do inventor e do produtor daquele determinado bem, quer esteja ele protegido por direito de propriedade intelectual ou não.

Esta interpretação tornou-se bastante comum entre aqueles que defendem a não patenteabilidade ou o irrestrito direito de decretação de licenças compulsórias sobre determinados tipos de medicamentos ou, até mesmo, uma indefensável revisão de processos de patentes pela autoridade sanitária brasileira que, neste caso, como é evidente, serviria apenas como “justificativa” para negar direitos inquestionáveis com base no poder de compra de determinadas parcelas da sociedade.

Afinal, qual é a função social da propriedade?

Em termos relativamente simples e, de forma resumida, a propriedade atinge a sua função social quando o “dono” de determinado bem ou direito, utiliza esse bem ou direito de forma apropriada e o colocando à disposição ou a serviço dos demais membros da sociedade.
Para facilitar o entendimento pode-se utilizar exemplo de uma fazenda, efetivamente utilizada para o plantio ou criação de animais e outra que nada produz e, portanto, não cumpre a sua função social, ficando sujeita desapropriação para que, por redistribuição, passe a ser utilizada por quem efetivamente a faz cumprir sua função, colaborando com a sociedade.

E no caso da propriedade industrial?A propriedade industrial, área da propriedade intelectual que trata das patentes, marcas, desenhos industriais e outros, tem em todos os países do mundo como meta – função social -, (1) a divulgação dos inventos e criações que poderão servir de base para outras invenções ou copiados no futuro e (2) a possibilidade da geração de novos produtos destinados a melhorar a condição de vida das pessoas. No caso dos produtos farmacêuticos a contribuição é, ainda e mais, para aumentar a expectativa e / ou a qualidade de vida dos pacientes.Também, é função social que este tipo de propriedade cumpre, o emprego, no mundo, de centenas de milhares de pessoas. Só no Brasil, como se verifica pelo quadro abaixo, as empresas de pesquisa e desenvolvimento empregam mais de vinte mil pessoas.

Desde os primeiros indícios de criação do sistema de patentes, ou seja, desde o século XV a propriedade industrial tem a sua função social bem determinada. Quando se concede a alguém uma patente sobre determinado produto, concedendo, por conseqüência uma exclusividade relativa e por tempo determinado, a contra partida é a divulgação do conteúdo da invenção que, certamente servirá de base para outras invenções ou meramente para reprodução em grande escala de cópias que podem ser colocadas no mercado por menor preço, pois não houve, por parte dos copiadores, investimento em pesquisa e desenvolvimento.Há quem tente utilizar uma interpretação estreita do conceito de “função social” para tentar justificar que certos produtos não deveriam, sequer, ter direito a uma patente, pois quem deles necessita não tem possibilidade de adquiri-los.

Ora, o acesso a produtos necessários ao bem estar e à saúde da população carente é a função social do governo. Não por meio de expropriação ou desrespeito à propriedade de outros, mas pelo planejamento e priorização de seus recursos que, afinal, pertencem à sociedade. Aliás, não fora pelo sistema de patentes, muitos destes produtos sequer existiriam ou, se existissem, seus componentes e métodos de produção seriam mantidos como segredo industrial deixando de gerar a divulgação do conhecimento.O trabalho de criação e invenção é sempre demorado e de resultado incerto.

Por isso ele precisa ser recompensado; para dar o devido incentivo à criação de novos produtos, novos processos que gerarão novos conhecimentos que estarão disponíveis para toda a sociedade.Esta é a meta da proteção da propriedade industrial que encontra uma de suas melhores imagens no artigo primeiro, parágrafo oitavo, cláusula oitava da Constituição dos Estados Unidos da América:

“Para promover o progresso da ciência e das artes úteis, assegurando, por tempo limitado aos autores e inventores o direito de exclusividade sobre seus respectivos escritos e descobertas;”

É óbvio que, se excessos forem praticados pelos detentores de direitos de propriedade industrial, esses devem ser corrigidos, punindo-se os culpados na forma da lei. Diga-se que o Brasil conta com um arsenal legislativo moderno e invejável para punir eventuais abusos. As leis brasileiras de defesa da concorrência e de defesa do consumidor estão, reconhecidamente, entre as melhores do mundo.

O que devemos manter em mente é que desde os seus primórdios, o conceito de propriedade intelectual tem sido entendido como um “contrato entre o inventor e a sociedade” para permitir uma maior divulgação do conhecimento que é a função social por excelência.A continuarmos com a visão estreita de que a função social de um determinado bem só se consideraria cumprida se houver ao acesso rápido e a baixo custo a este bem ou a um determinado serviço, com o governo tentando garantir este acesso por meio de controle de preços e de ataques à propriedade industrial, não haverá, no futuro, bem ou serviço disponível, pois não haverá mais empresas economicamente saudáveis para criá-los.

Basta que nos lembremos que o governo praticou durante décadas uma “tarifa social” para os meios de transporte. Tarifa social é a que não cobre os custos, mas a que a sociedade tem condições de pagar - governo subsidiaria a diferença. Esta “tarifa social” que até hoje se aplica a diversos meios de transporte, inclusive o metrô, tem grande responsabilidade no triste fim da Rede Ferroviária Federal, nas ferrovias estaduais, no atual estado aflitivo das empresas de aviação civil.

domingo, outubro 09, 2005

Quem conhece a indústria farmacêutica?

Por Marcos de Freitas Levy

Durante décadas, a indústria farmacêutica só se preocupou em comunicar-se com o seu contato mais próximo, ou seja, com os profissionais da área de saúde e mais detalhada e freqüentemente com os médicos. Com freqüência esporádica, o setor passou a se preocupar com o consumidor final do seu produto, os pacientes. Por esta razão, a indústria farmacêutica está pagando, hoje, o custo de ter começado muito tarde a contar a sua história para a sociedade em geral.
O resultado desta omissão é que a sociedade formou uma opinião desfavorável da indústria como se esta tivesse o único propósito de lucrar à custa da desgraça alheia. O que facilita esses conceitos e pré-conceitos sobre o setor é o fato de que ninguém gosta de ficar doente e, menos ainda, de tomar remédio.

Como se sabe, os conceitos de “custo” e “valor” não são muito fáceis de serem entendidos ou compreendidos. Mesmo porque, na maioria das vezes, não temos dados para estabelecer os termos de comparação entre os dois. Independente disto é fato que tudo que não se quer é caro. Este conceito é ainda mais verdadeiro quando o que se compra, ou o que se tem que comprar não é o que se vê.

Especialmente no caso da indústria farmacêutica, o consumidor não vê mais de 90 por cento do que está comprando. A população, e muitos profissionais da área da saúde desconhecem o longo, tortuoso, incerto e dispendioso caminho da pesquisa e desenvolvimento de um novo medicamento. Caminho este que torna a indústria farmacêutica que se dedica à pesquisa e ao desenvolvimento de novos medicamentos, um dos negócios de maior risco no mundo.

De fato, estudos desenvolvidos pelo instituto independente, Tufts Center For the Study of Drug Development, da Universidade Tufts, localizada no Estado de Massachussets, nos Estados Unidos da América, publicados em 2001, indicam que o custo médio de desenvolvimento de um único medicamento é de cerca de US$ 800 milhões levando uma média de dez anos entre a sua descoberta e a sua possível comercialização. Mais que isto, o estudo revela que de cada oito mil possíveis medicamentos pesquisados, apenas um chega ao mercado.

Não é por outra razão que a Federação Internacional dos Fabricantes de Medicamentos comprometidos com Pesquisa e Desenvolvimento – IFPMA, informa que durante o ano de 2002, as empresas a ela associadas, investiram em pesquisa e desenvolvimento o total de US$ 45 bilhões.

Pelo que os estudos indicaram, fica fácil de entender porque tantas empresas farmacêuticas de pesquisa ou foram adquiridas por outras ou passaram por processos de fusão e incorporação.
Portanto, todos estes dados não são vistos ou conhecidos pelo consumidor de medicamentos ou, como já dito, em diversos casos mesmo por profissionais da área da saúde. O que as pessoas vêem é um pequeno, às vezes minúsculo comprimido ou cápsula que não aparenta razão para o preço por ele cobrado, seja este preço qual for.

Aí está a grande falha da indústria farmacêutica. Ela começou muito tarde e, em certos lugares sequer começou, a educar seu público alvo sobre a sua importância. Este processo educacional é e será sempre contínuo e de longo prazo e não deve ser realizado apenas quando a sociedade reclama ou acusa a indústria de aproveitar-se do mal alheio cobrando preços absurdos ou abusivos por seus produtos. O consumidor para o qual o médico diagnosticou alguma enfermidade, por mais simples ou corriqueira que seja, não está com o estado de espírito apropriado para entender longas explicações sobre as justificativas para os preços dos medicamentos que precisa comprar, por mais que mantenha no sub-consciente a noção de que aquele produto pode fazê-lo sentir-se melhor, curá-lo ou em alguns casos, até salvar sua vida.
A verdade é que só nos últimos anos a indústria percebeu que precisava se comunicar com o consumidor e tem procurado fazê-lo. Acredito que, em lugar de aceitar rapidamente, conceitos errôneos dos que semeiam a cizânia procurando obter benefícios para si mesmos, os consumidores deveriam dar à indústria farmacêutica ao menos o benefício da dúvida.

Tenho certeza que mentes desarmadas de preconceitos certamente entenderão melhor o verdadeiro papel da indústria farmacêutica, sua importância, dando a ela finalmente, um julgamento justo.

Lobby - A Essência da Democracia

O Brasil tem 513 deputados federais e 81 senadores, que representam 26 Estados e um Distrito Federal. São estas 594 pessoas que são responsáveis por propor, discutir, examinar e votar quase toda a legislação que influenciará, em maior ou menor escala, a vida de cerca de 170 milhões de brasileiros.

Estas pessoas formam o que se convencionou chamar de Poder Legislativo; lá estão para fazer ou modificar leis que, em princípio, devem refletir o pensamento dos seus respectivos eleitores e ajudar o Brasil a se tornar um país melhor, mais justo e mais competitivo no cenário internacional.

Somente durante o ano de 2004, foram apresentados no Congresso Nacional mais de 2.500 (dois mil e quinhentos) projetos de lei sobre os mais diversos tópicos, voltados para a criação de novas leis para a modificação de legislação já existente.

Estes projetos tratam de matérias tão diversas como: a saúde bucal do professor; a criação de universidades; a extinção ou criação de tarifas e de impostos e a criação, aumento ou restrição de direitos.

É totalmente inconcebível que os eleitores acreditem que os membros do poder legislativo saibam tudo sobre tudo e que, portanto, suas propostas de legislação não necessitem de nenhum subsídio técnico, prático ou teórico, daqueles que serão mais ou menos afetados pela nova legislação proposta ou pela alteração da legislação vigente.

Além disso, convém lembrar que a conta dos efeitos gerados pelas novas leis será paga pelos contribuintes, ou seja, pelos eleitores responsáveis pela colocação daquelas pessoas na Câmara Federal e no Senado.

Assim, os eleitores têm o dever cívico de influenciar no processo legislativo expondo aos Srs. Deputados e Senadores suas preocupações com relação aos projetos que possam afetá-los direta ou indiretamente.

Este exercício, absolutamente imprescindível às boas democracias, é o que leva o nome de LOBBY.

Tráfico de influência, trocas de favores espúrios e corrupção nada têm a ver com LOBBY. São crimes, perfeitamente enquadrados na legislação penal brasileira.

O lobista é alguém que tenha conhecimento suficiente do assunto objeto de um projeto de lei, de modo a que possa discuti-lo com os membros do Congresso que o examinarão, expondo seus argumentos a favor ou contra o projeto, inclusive sugerindo, quando for o caso, alterações que considere pertinentes.

Acho difícil – senão impossível – que possa existir uma verdadeira democracia sem o exercício do lobby. Mesmo considerada uma das definições mais conhecidas, feita pelo presidente americano Abraham Lincoln no discurso de Gettysburg, de que a democracia é o “governo do povo, pelo povo e para o povo”, ou da ainda mais antiga Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de que o “justo poder do governo deve resultar do consentimento dos governados”, verifica-se a importância do lobby.

Afinal, o exercício do poder, como definido acima, deve resultar sempre ou de consenso, o que é o mais desejável, ou da vontade da maioria. Ora, como é possível saber se há consenso ou qual é, de fato, a vontade da maioria se as pessoas não forem ouvidas por aqueles encarregados de votarem as leis às quais elas estarão submetidas?

Não é por outra razão que o legislativo é um órgão de grande transparência. Todo o processo de aprovação ou rejeição de qualquer projeto de lei é integralmente publicado em órgão oficial de imprensa e acessível pela Internet. A razão desta transparência é exatamente permitir a todos que assim quiserem que manifestem suas opiniões junto aos congressistas. Não há leis que sejam secretamente discutidas e aprovadas ou rejeitadas. Não há leis aprovadas na calada da noite, como se fora uma Medida Provisória. Se alguma lei que fira os interesses da maioria ou não represente consenso for aprovada, é porque os eleitores deixaram que isto acontecesse.

Os candidatos são eleitos (ou deveriam ser) por sua integridade, força de vontade, cultura geral e conhecimento sobre os problemas do País. De modo geral, eles não são eleitos (nem deveriam ser) por sua absoluta especialização nesta ou naquela área do conhecimento. Além disso, todos – ou pelo menos todos os membros de algumas comissões temáticas – devem votar sobre todos os assuntos levados à sua apreciação.

Do início do governo do presidente Lula até esta data, foram propostos 7.352 projetos de lei. A probabilidade de que estes projetos, se aprovados, representem o consenso ou a vontade da maioria repousa na atividade dos lobistas sérios deste país; lobistas que representam sim, grupos de interesses convergentes que têm não o direito, mas a obrigação de fazerem com que suas preocupações sejam ouvidas.

Marcos Lobo de Freitas Levy

PATENTES: MITOS E VERDADES

Nos últimos anos, muitas pessoas falam e escrevem sobre supostos efeitos perversos da lei de patentes sobre a indústria farmacêutica. Em nenhum dos casos estas opiniões são precedidas de informações e dados fundamentais para a compreensão do público leigo em geral e o de usuários de medicamentos, em particular, sobre o que é uma patente, por quanto tempo ela vale, o que, de fato – e de direito – pode ser patenteado.

A falta dessas informações – ou seu uso parcial – pode criar distorções que induzam o público a conclusões totalmente apartadas da realidade ao não mostrar os muitos benefícios do sistema de patentes. Assim, considero importante oferecer a aqueles que não conhecem o assunto alguns conceitos básicos sobre as patentes; o primeiro, por óbvio, é a definição de patente.
Patente é uma palavra originada da expressão latina “litterae patentes” que significa “carta aberta”.

Uma patente, em termos simples, é um contrato entre o inventor e a sociedade. Neste contrato, o inventor torna pública sua invenção recebendo em troca, por tempo determinado, o direito de explorar comercialmente, com exclusividade, aquela invenção. Este sistema garante a transferência do conhecimento do inventor para outros interessados em produzir e comercializar aquele produto pois, terminado o prazo da patente, qualquer um pode copiar o produto e usar as informações constantes do pedido de patente.

Antigamente, por falta deste mecanismo de garantia de exclusividade por período determinado, inventores preferiam manter suas invenções em segredo (ainda hoje isto é possível, embora raro) para poder colher os frutos da sua invenção. Em muitos casos, suas invenções e descobertas morriam com eles e, não raro, tinham de ser reinventadas.

A idéia de se conceder a inventores ou autores exclusividade temporária sobre a comercialização de suas criações é mais antiga do que se imagina.

Embora o marco mais lembrado seja o da institucionalização e internacionalização das leis da propriedade intelectual, onde se incluem as patentes, ocorridas por meio da Convenção da União de Paris, de 1883, a idéia de se conceder exclusividade temporária a inventores data de 1449 na Inglaterra (fabricação de vitrais).

Naquela ocasião, o Rei Henrique VI deu ao imigrante flamengo, John of Utynam, a exclusividade de 20 anos para a fabricação de um tipo de vitral colorido por ele inventado – que ainda pode ser visto na Capela do “Eaton College” na Inglaterra. À época, ficou o inventor com o dever de ensinar o processo de fabricação aos fabricantes ingleses de vitrais.

É interessante notar que as pressões para conceder a inventores algum tipo de garantia iniciaram-se nas “Corporações de Ofício” da Idade Média. Ainda no século 15 os assopradores de cristal de Veneza, criaram um sistema semelhante, para proteger seus conhecimentos.

Após este breve histórico sobre a definição e origem das patentes é importante saber o que pode ser patenteado. Como definido na legislação vigente, para ter direito a uma patente o produto deve:

Ser novidade;
Conter uma atividade inventiva e;
Ter aplicação industrial.

Sendo o produto patenteado, por quanto tempo vale o período de exclusividade concedido ao inventor? O período de exclusividade vale por 20 anos contados da data em que o pedido de patente é protocolado, no caso do Brasil, perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

Concepções errôneas:
Faz-se necessário, neste ponto, corrigir duas concepções errôneas que se tem sobre este período de exclusividade.

A primeira é que o produto está no mercado durante todo o período de exclusividade. No caso da indústria farmacêutica, o período de exclusividade em que o produto está sendo comercializado é, em média, de 10 anos. Portanto, a metade do tempo total concedido pela lei. Isto acontece porque, como o tempo de exclusividade começa a contar da data do protocolo do pedido e um produto farmacêutico leva, em média, 10 anos para ser desenvolvido e aprovado pelas autoridades sanitárias, restam apenas 10 anos de exclusividade no mercado.

Após este período qualquer interessado pode produzir e comercializar uma versão genérica (ou similar) do medicamento que, em média, levou 10 anos para ser desenvolvido a um custo médio de 900 milhões de dólares, segundo o Tufts Center for the Study of Drug Development, da Tufts University. O gráfico abaixo ajuda a entender o tempo de desenvolvimento de um medicamento.

O protocolo do pedido de patente ocorre perto do quarto ano do desenvolvimento do produto e a sua aprovação para venda, perto do décimo quarto ano. Isso após todos os testes clínicos necessários, tomando cerca de dez anos do período de exclusividade.

A segunda concepção errônea é a que este período de exclusividade para o produto configura verdadeiro monopólio, em que os pacientes ficam à mercê do detentor da patente.
A patente é concedida para um determinado produto e não para a cura de uma determinada moléstia. Deste modo, não há como se falar em monopólio, pois um produto novo deve concorrer com todos os já existentes no mercado. Para se ter uma idéia do significado desta concorrência, basta verificar o número de tratamentos existentes para algumas das doenças mais prevalentes no mundo.

Há no mercado brasileiro hoje:
mais de 20 medicamentos anti-hipertensivos
mais de 30 medicamentos anti-inflamatórios
mais de 20 medicamentos antibióticos
mais de 15 medicamentos anti-retroviróticos
mais de 30 medicamentos anti-depressivos.

O que o detentor de uma patente tem, de fato, é a exclusividade temporária para venda de um determinado medicamento. É praticamente impossível, hoje, ter-se um único produto para cura de uma determinada doença.

Durante as décadas de 60 e 70, não era raro que medicamentos para determinadas doenças permanecessem sem concorrentes diretos por meses ou anos.

A tendência de redução do prazo de exclusividade é inexorável; podemos constatar este fato pelo número de medicamentos em desenvolvimento hoje conforme o quadro abaixo:

Medicamentos em desenvolvimento
HIV/Aids
11
Mal de Alzheimer
19
Depressão
13
Diabetes
19
Doenças Gastrointestinais
9
Osteoartrite
8
Osteoporose
18
Mal de Parkinson
10
Doenças da próstata
4
Problemas respiratórios
18
Artrite reumatóide
20
Disfunções sexuais
9
Problemas de pele
15
Fonte: PhRMA 2002 (EUA)

Cada um destes produtos, portanto, caso venha a demonstrar eficácia e tolerabilidade, que permitam a sua comercialização, passará ao domínio público dentro de alguns anos, podendo ser comercializado como produto genérico.

Não fosse pela criação dos direitos patentários, certamente um grande número de medicamentos hoje existente não teria sido inventado, pois não haveria qualquer incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento que são atividades extremamente caras, demoradas e de resultados imprevisíveis.

O estudo “Intellectual Property Rights and Capital Formation in the Next Decade”, publicado pela University Press of America em 1988, concluiu que, até aquele ano, se não houvesse proteção patentária, cerca de 60 produtos farmacêuticos hoje existentes não teriam sido inventados. No caso de equipamentos, instrumentos, veículos, produtos de borracha ou téxteis, o impacto da falta de patente teria sido muito menor.

É comum ouvir-se algumas pessoas dizerem que, na verdade, os governos são os maiores investidores e pesquisadores na área farmacêutica e que suas pesquisas são utilizadas pela indústria que fica com o lucro. Nada mais distante da verdade.
Um estudo publicado pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, indica que dos 47 medicamentos mais utilizados atualmente nos EUA, apenas 4 poderiam ter seus direitos de propriedade exigidos pelo governo (fonte: www.ifpma.org).

Finalmente, é preciso se atentar para o fato de que os direitos de patentes farmacêuticas no mundo e principalmente no Brasil são tratados com tamanha carga de emoção que, por vezes, o público parece ser levado a acreditar que existe uma lei de patentes apenas para proteger produtos farmacêuticos.

Não é assim. No Brasil, por exemplo, medicamentos não podiam ser patenteados de 1945 a 1996. Assim, não tiveram direito a patente por mais de 50 anos. Aliás, mesmo hoje, os produtos patenteados não representam nem 3% dos registrados junto a Anvisa e comercializados em nosso País.

Portanto, este tema deve ser discutido e visto sob um ângulo mais racional pois, deste modo, ficará mais fácil compreender que o sistema de propriedade intelectual, incluindo o das patentes, trouxe e continuará trazendo incontáveis benefícios para o mundo que dependerá, sempre, de grandes investimentos em pesquisa para poder progredir. Aliás, no caso dos medicamentos, só esses investimentos, temporariamente protegidos por patentes, podem assegurar que haverá, no futuro, novos tratamentos e novos genéricos que jamais existiriam não fora pela curta garantia de exclusividade concedida pelas leis de propriedade intelectual e industrial aos investidores nesta área.
Marcos Lobo de Freitas Levy

"Bis in iden"

Luiz Fernando Veríssimo, um dos melhores cronistas brasileiros, escreveu, em uma das que considero suas melhores crônicas, que “o brasileiro tem a volúpia do entrave”, ou seja, transportou para seu texto, a constatação irrefutável de que, no Brasil, em sendo possível fazer as coisas mais difíceis, não há razão para simplificá-las.
A expressão latina que dá título a este artigo é, por assim dizer, uma das traduções do que se faz no país, em diversas áreas, para complicar a vida dos cidadãos e das empresas aqui instaladas. Traduzida para o português, esta expressão significa “duas vezes a mesma coisa”.
Tomemos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa – como um exemplo para ilustrar a afirmação.
O inusitado artigo 229C
Este exemplo de duplicação de trabalho foi criado, com o advento da Medida Provisória 2.006/99, convertida na lei 10.196/01, que acrescentou à lei de propriedade industrial, entre outros, o artigo 229C.
Por força do artigo de lei acima citado, determinou-se que as patentes de produtos farmacêuticos (apenas este setor) somente podem ser concedidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial depois de revisão e prévio consentimento da Anvisa.
A lei 10.196/01 não diz, em momento nenhum, não tendo sequer sido regulamentada até a presente data, quais seriam as bases e diretrizes segundo as quais a Anvisa poderia conceder ou deixar de conceder o aludido “consentimento prévio”. Note-se que o consentimento da Anvisa é dado após o processo ter sido examinado e o pedido de patente ter sido deferido pelo INPI.
Diga-se que o referido texto de lei gerou uma série de discussões jurídicas, ainda sem consenso ou solução, a começar pelo fato de que o artigo 229C encontra-se dentro do capítulo das disposições transitórias e finais da lei 9279/96, ou seja, na parte da lei destinada a regular situações temporárias criadas pelo novo ordenamento jurídico. Apesar disso, é usado pela Anvisa para regular situações definitivas.Além disso, a Lei 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e determinou sua competência, não incluiu dentro desta a “anuência” ou a revisão de processos de patente de medicamentos. Não inclui, aliás, por razões óbvias, já que a Anvisa tem como finalidade a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de medicamentos entre outros produtos.

Já no ano de 1970 foi criado, como autarquia federal, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em substituição ao antigo Departamento Nacional de Propriedade Industrial, cuja competência, por definição legal - Lei 9.279/96 - é executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica.
É, no mínimo estranho, que se dê a uma agência de controle sanitário, que é o papel da Anvisa, ao Ministério da Saúde, atribuição de competência de outro órgão do governo, no caso o INPI (processamento e concessão de pedidos de patentes), vinculado a um Ministério totalmente distinto daquele a que está vinculado a Anvisa.
A Lei de Propriedade Industrial, em seu artigo oitavo, enuncia os requisitos necessários para que se considere uma invenção como patenteável. Estes requisitos, que são exatamente os mesmos encontrados nos tratados internacionais sobre o assunto, são os seguintes:
Ser novidade;
Conter uma atividade inventiva e;
Ter aplicação industrial.
Por óbvio a lei indica, ainda, quais as invenções que não podem ser objetos de patentes, como por exemplo, o que for contrário à moral e aos bons costumes.
Os requisitos antes mencionados são conhecidos como “requisitos de patenteabilidade”, que fazem parte de um rito rígido, com etapas definidas em lei sendo que, durante todo o processo, os atos praticados são publicados, para que qualquer interessado possa apresentar razões de oposição ao pedido de patente formulado ou discutir, em processo administrativo ou judicial, a nulidade da patente mesmo após a sua concessão.
Como já dito, a implementação da lei ficou a cargo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, que é o órgão criado para este fim e dotado da estrutura e das competências de pessoal necessárias para o desempenho desta função.
Não por outro motivo, é assim no mundo inteiro onde agências ou escritórios especializados desempenham tal função. Os exemplos mais óbvios são o “Patent and Trademark Office” – PTO -, dos Estados Unidos da América do Norte, e o “European Patent Office” – EPO -, da Comunidade Européia. Na América Latina há o “Instituto Mexicano de la Propriedad Industrial” – IMPI -, e a “Administración Nacional de Patentes” – ANP da Argentina.
Aqueles escritórios e agências, bem como o INPI, são organizados em departamentos que se responsabilizam pelo exame de pedidos de diferentes tipos de patentes, marcas, desenhos industriais e modelos de utilidade.
No caso das patentes de produtos, estes podem ser das mais diversas áreas do conhecimento, como, por exemplo, mecânica, eletrônica, química e farmacêutica. Estes pedidos são, por óbvio, examinados por diferentes técnicos e especialistas de acordo com a área a que se refere o pedido, sempre para certificar que estão cumpridos os requisitos definidos na lei para concessão de uma patente.
Se é assim, então qual o sentido da “anuência prévia” da Anvisa criado pelo artigo 229C? Por que não há também requisito de “anuência prévia” para produtos agrícolas, veterinários, alimentares, mecânicos ou eletrônicos? Será que o Ministério da Saúde não acha o Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio e suas autarquias competentes no desempenho de suas atividades?
Outra questão importante é tentar compreender por que o Ministério da Saúde e a Anvisa despendem seus limitados recursos na manutenção de uma equipe de técnicos para revisar trabalho de competência de outro órgão do governo ao invés de aplicá-lo na sua função específica, que é a Vigilância Sanitária?
O fato é que, como já mencionado em outras oportunidades, as questões referentes à indústria de medicamentos são tratadas com uma carga de emoção muitas vezes superior à de razão, o que leva à conclusão, nunca bem fundamentada, de que todo tipo de controle que se puder exercer sobre este tipo de indústria sempre será bom. A história tem demonstrado que isto, não só não é verdade, como pode ter efeitos funestos em longo prazo.
Aliás, um fato curioso relacionado a essa “anuência prévia”: a mesma Anvisa que concede ou não a “anuência” para que se o INPI conceda patente de um determinado medicamento, é a mesma agência que concede, a terceiros, o registro de cópias de medicamentos patenteados, com prazos de vigência válidos por ainda mais de cinco anos.
Como, por estipulações contidas na Lei 6360/76 e no Decreto 79.097/97, o ato de registro tem como fim autorizar determinada indústria a colocar o produto registrado no mercado, ao conceder registros a cópias de produtos com patentes vigentes, a Anvisa, na verdade, está incentivando a violação da lei.
Questionada sobre por que age desta forma, a Anvisa alega nada ter a ver com patentes e que se o proprietário da patente se sentir prejudicado que deve processar o concorrente que registrou o produto.
O dito acima fica mais evidente quando se leva em consideração que o prazo de validade de um registro de medicamento é de 5 anos e que, para renová-lo é necessário comprovar a comercialização do produto.
Muito mais do que discutir a legalidade da “anuência prévia”, instituída pelo artigo 229C em face dos dispositivos constitucionais ou dos acordos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, serve o presente artigo para questionar o desperdício do dinheiro público e o acréscimo injustificável no tempo despendido no processamento de um pedido de patente de medicamento no Brasil e o aparente incentivo, pela Anvisa, à violação da lei.

Por Marcos Lobo de Freitas Levy