quarta-feira, junho 28, 2006

FRACIONANDO O BOM SENSO

O Diário Oficial da União trouxe, em 11 e maio de 2006, a publicação de um Decreto estendendo às Drogarias a possibilidade de colocar à venda medicamentos fracionados.

Mais uma vez o governo procura corrigir uma suposta imperfeição no mercado de medicamentos e, o faz, criando ainda mais problemas e violando dispositivo legal hierarquicamente superior, a Lei 5991/73. Ou seja, mais uma vez, o governo tenta resolver o problema de renda da população por paliativos de vida curta se é que chegarão a ter vida.

A idéia de permitir vendas fracionadas também é resultado direto de uma percepção equivocada da população de que as embalagens de medicamentos trazem, sempre, quantidade maior do que a necessária. As autoridades sabem que isto não é verdade.

Aliás, o registro das embalagens e o conteúdo de cada apresentação é submetido à Anvisa para aprovação.Todos os antibióticos disponíveis no mercado vêm em embalagens que contêm o número de unidades correspondente a um tratamento. No caso dos produtos para doenças crônicas, como medicamentos para pressão arterial, colesterol, osteoporose e outras, embora estejam disponíveis em duas ou três apresentações, não deve haver sobra, pois devem ser utilizados diariamente.

No caso dos medicamentos, o governo tem tentado, já há muitos anos e com grande freqüência nos últimos 5 anos, resolver o problema de acesso a medicamentos com o uso de medicamentos similares, genéricos, controles de preços, tabelamentos e outros. Não funcionou.

A possibilidade de fracionar medicamentos foi amplamente discutida com todas as partes interessadas – embora as opiniões da indústria nem sempre tenham sido ouvidas com a devida atenção – desde março de 2005 quando foi publicada um Consulta Pública (número 07/2005), que levou à publicação da Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA número 260/2005, em setembro do mesmo ano.

Em resumo, os especialistas do órgão do governo responsável pela vigilância sanitária do mercado de medicamentos, desde a sua produção até sua entrega ao consumidor final, estudaram durante 7 meses a implementação do fracionamento de medicamentos e suas possíveis conseqüências sobre a qualidade dos produtos e a segurança do consumidor.

As razões do longo tempo consumido neste estudo são fáceis de entender. As autoridades sanitárias brasileiras têm lutado, desde 1998, para salvaguardar o consumidor contra possíveis produtos falsificados, contra a venda ilegal de amostras grátis, contra a exposição e venda de produtos com prazo de validade vencido e outras ilegalidades encontradas no mercado de medicamentos.

Além disso, a ANVISA sabe bem que, quase sempre, quem atenderá ao consumidor que vai à farmácia, dificilmente será um farmacêutico. Será, quase sempre, um balconista sem conhecimento técnico suficiente. Aliás, mesmo a presença do farmacêutico na farmácia será mera ficção.

Devido aos fatos citados acima, a Anvisa emitiu diversas normas sobre embalagens de medicamentos que tornaram obrigatória, para os fabricantes a adoção de diversos itens para melhorar a segurança do consumidor.

Dentre estas estavam: (1) a inclusão da raspadinha de tinta reativa (alguém se lembra o que é aquela “janelinha” na lateral da embalagem?), (2) lacre de segurança nas embalagens secundárias, e (3) inclusão na embalagem secundária de textos informativos sobre produtos genéricos.

Com base em todos estes dados, a ANVISA concluiu que a forma de dar alguma segurança ao consumidor de produtos fracionados é que o fracionamento só pudesse ser feito por farmácias excluindo-se, portanto, as drogarias que, por definição legal só podem vender medicamentos em suas embalagens originais.

Não nos cabe, neste artigo, comentar as razões da decisão da ANVISA. Cabe entretanto questionar o Senhor Presidente da República que, em uma simples canetada, ignorou completamente as conclusões de órgão técnico de seu próprio governo para fins que nos parecem bastante eleitoreiros e que pouco ou nenhum efeito prático terão.