domingo, março 04, 2007

Quem conhece a indústria farmacêutica?

Durante décadas, a indústria farmacêutica só se preocupou em comunicar-se com o seu contato mais próximo, ou seja, com os profissionais da área de saúde e mais detalhada e freqüentemente com os médicos. Com freqüência esporádica, o setor passou a se preocupar com o consumidor final do seu produto, os pacientes. Por esta razão, a indústria farmacêutica está pagando, hoje, o custo de ter começado muito tarde a contar a sua história para a sociedade em geral.

O resultado desta omissão é que a sociedade formou uma opinião desfavorável da indústria como se esta tivesse o único propósito de lucrar à custa da desgraça alheia. O que facilita esses conceitos e pré-conceitos sobre o setor é o fato de que ninguém gosta de ficar doente e, menos ainda, de tomar remédio.

Como se sabe, os conceitos de “custo” e “valor” não são muito fáceis de serem entendidos ou compreendidos. Mesmo porque, na maioria das vezes, não temos dados para estabelecer os termos de comparação entre os dois. Independente disto é fato que tudo que não se quer é caro. Este conceito é ainda mais verdadeiro quando o que se compra, ou o que se tem que comprar não é o que se vê.

Especialmente no caso da indústria farmacêutica, o consumidor não vê mais de 90 por cento do que está comprando. A população, e muitos profissionais da área da saúde desconhecem o longo, tortuoso, incerto e dispendioso caminho da pesquisa e desenvolvimento de um novo medicamento. Caminho este que torna a indústria farmacêutica que se dedica à pesquisa e ao desenvolvimento de novos medicamentos, um dos negócios de maior risco no mundo.

De fato, estudos desenvolvidos pelo instituto independente, Tufts Center For the Study of Drug Development, da Universidade Tufts, localizada no Estado de Massachussets, nos Estados Unidos da América, publicados em 2001, indicam que o custo médio de desenvolvimento de um único medicamento é de cerca de US$ 800 milhões levando uma média de dez anos entre a sua descoberta e a sua possível comercialização. Mais que isto, o estudo revela que de cada oito mil possíveis medicamentos pesquisados, apenas um chega ao mercado.

Não é por outra razão que a Federação Internacional dos Fabricantes de Medicamentos comprometidos com Pesquisa e Desenvolvimento – IFPMA, informa que durante o ano de 2002, as empresas a ela associadas, investiram em pesquisa e desenvolvimento o total de US$ 45 bilhões.

Pelo que os estudos indicaram, fica fácil de entender porque tantas empresas farmacêuticas de pesquisa ou foram adquiridas por outras ou passaram por processos de fusão e incorporação.
Portanto, todos estes dados não são vistos ou conhecidos pelo consumidor de medicamentos ou, como já dito, em diversos casos mesmo por profissionais da área da saúde. O que as pessoas vêem é um pequeno, às vezes minúsculo comprimido ou cápsula que não aparenta razão para o preço por ele cobrado, seja este preço qual for.

Aí está a grande falha da indústria farmacêutica. Ela começou muito tarde e, em certos lugares sequer começou, a educar seu público alvo sobre a sua importância. Este processo educacional é e será sempre contínuo e de longo prazo e não deve ser realizado apenas quando a sociedade reclama ou acusa a indústria de aproveitar-se do mal alheio cobrando preços absurdos ou abusivos por seus produtos. O consumidor para o qual o médico diagnosticou alguma enfermidade, por mais simples ou corriqueira que seja, não está com o estado de espírito apropriado para entender longas explicações sobre as justificativas para os preços dos medicamentos que precisa comprar, por mais que mantenha no sub-consciente a noção de que aquele produto pode fazê-lo sentir-se melhor, curá-lo ou em alguns casos, até salvar sua vida.

A verdade é que só nos últimos anos a indústria percebeu que precisava se comunicar com o consumidor e tem procurado fazê-lo. Acredito que, em lugar de aceitar rapidamente, conceitos errôneos dos que semeiam a cizânia procurando obter benefícios para si mesmos, os consumidores deveriam dar à indústria farmacêutica ao menos o benefício da dúvida.

Tenho certeza que mentes desarmadas de preconceitos certamente entenderão melhor o verdadeiro papel da indústria farmacêutica, sua importância, dando a ela finalmente, um julgamento justo.

Pesquisa Clínica - Da molécula ao mercado

Em meio a revolução tecnológica em que vivemos, na era do real-time, em que tudo acontece muito rápido, seguimos em uma busca constante por resultados imediatos.

Apenas como exercício, é interessante imaginar como seria se envolver em um projeto cujos resultados tardam mais de 14 anos para aparecer e são bastante incertos. Segundo estudo do Tufts Center for the Study of Drug Development, é essa a média de tempo que um medicamento leva para ser lançado, desde a sua descoberta: 14,4 anos.

O início dessa longa trajetória se dá com a descoberta de uma molécula que, entre outras dez mil, poderá um dia se tornar um novo medicamento. Os três primeiros anos que se seguem a essa descoberta fazem parte de uma fase de pesquisa básica em laboratório, em que os compostos são triados, sintetizados e avaliados quanto aos possíveis efeitos em relação a determinada doença.
Os investimentos para se descobrir uma nova droga são pesados. E isso não é à toa. Para se ter uma idéia, uma única nova molécula criada demanda recursos de aproximadamente US$ 900 milhões. Assim mesmo, de cada dez mil moléculas estudadas na fase de pesquisa básica, apenas de 10 a 20 passam à etapa seguinte de estudos pré-clínicos. Nessa fase, a segurança dos compostos é testada em animais. Basicamente se quer avaliar possíveis efeitos adversos que impediriam a condução de testes em humanos. Os compostos que vencem essa etapa – normalmente entre 5 e 10 – entram então na fase de pesquisa clínica, agora envolvendo humanos. Esta fase, consome a maior parte dos investimentos.

Afinal, o que é uma pesquisa clínica e como ela é conduzida?

As pesquisas clínicas são conduzidas em hospitais, universidades, clínicas, em centros de pesquisa, por investigadores selecionados com base em sua qualificação, treinamento e experiência clínica no campo ao qual pertence o medicamento a ser estudado.
A pesquisa clínica de um novo medicamento é normalmente dividida em três fases que antecedem ao seu lançamento e tardam, em média, entre 6 e 8 anos.

Na chamada Fase I, os compostos são testados em algumas dezenas de indivíduos saudáveis (entre 20 e 100 pessoas). O objetivo é avaliar os efeitos da droga no metabolismo: como é absorvida, metabolizada e excretada. Nesta fase se procura determinar o perfil de segurança e tolerabilidade do medicamento.

Os estudos de Fase I levam, em média, alguns meses e apenas 70% dos compostos testados passam à etapa seguinte, a Fase II, em que se começa a testar a eficácia do medicamento.
Nessa fase se procura determinar, também, qual a dosagem correta do medicamento; menos não faz o efeito necessário e mais é desperdício ou pode causar efeitos indesejados. Esta dosagem específica pode não ser encontrada e o medicamento será abandonado.

A Fase II envolve algumas centenas de voluntários – normalmente entre 100 e 300 indivíduos – e tarda de alguns meses a até dois anos. Na maior parte das vezes, esses estudos são randomizados (os pacientes são distribuídos aleatoriamente entre os grupos) e “duplo-cegos”.

Em outras palavras, os pacientes são divididos em dois grupos, um dos quais tomará o medicamento em estudo e o outro fará parte de um grupo de “controle” com placebo (pílula feita com materiais inertes). Em um estudo duplo-cego, nem os pacientes participantes, nem os próprios investigadores sabem qual é o grupo que está recebendo a droga experimental. Com a comparação dos resultados se verifica se o candidato a medicamento é eficaz e se é bem tolerado.

Apenas um terço dos medicamentos testados completam com sucesso as fases I e II, estando apto a iniciar a Fase III, em que são avaliados um grande número de pacientes, que pode variar de cerca de 1 mil a até 15 mil voluntários participantes. O objetivo desse estudo em larga-escala é fornecer à companhia farmacêutica e às autoridades regulatórias uma compreensão abrangente sobre a eficácia da droga estudada, seus benefícios e os possíveis efeitos adverso em uso prolongado.

Essa etapa da pesquisa leva entre dois e quatro anos e, como resultado, entre 70% e 90% dos medicamentos que chegam a esta fase para serem testados são considerados eficazes, seguros e toleráveis, permitindo à companhia farmacêutica iniciar o processo de registro do novo medicamento junto às autoridades regulatórias.

Seguindo-se essas três fases básicas da pesquisa clínica, após a aprovação do novo medicamento, normalmente os laboratórios farmacêuticos dão seguimento aos estudos e entram nas chamadas Fases IV e V, ou fases de pós-marketing, para monitorar riscos e benefícios de longo prazo, para comparar seu perfil com drogas já disponíveis no mercado ou para estudar possíveis novas indicações para o produto.

Independentemente do tipo de medicamento estudado ou do país em que as pesquisas são realizadas – na maior parte das vezes, em diversos países concomitantemente - os estudos clínicos são conduzidos estritamente de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis, bem como as Boas Práticas Clínicas reconhecidas em cada localidade.

É importante esclarecer que, durante as últimas décadas, o número de estudos clínicos exigidos para o registro de um novo medicamento tem aumentado bastante. Da mesma forma são exigidos cada vez mais participantes nos estudos. Estas exigências têm a meta de garantir, tanto quanto possível, a tolerabilidade do novo medicamento.

Os princípios para a condução de estudos clínicos são estabelecidos por documentos e convenções reconhecidos internacionalmente, tais como a Declaração de Helsinki e as Diretrizes para Boas Práticas Clínicas da Conferência Internacional de Harmonização, os quais são endossados por organismos regulatórios como o Food and Drug Administration, nos Estados Unidos, a Agência Regulatória Européia - Emea e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, no Brasil.

A conduta apropriada e a segurança dos estudos e dos pacientes são de responsabilidade não somente da empresa farmacêutica que os patrocina, como também dos profissionais que servem como investigadores, dos centros que participam da pesquisa e seus respectivos comitês de ética, e das agências regulatórias locais. Cada uma dessas instâncias tem o compromisso de revisar o estudo em questão e a possibilidade de desaprová-lo ou requerer modificações antes que o mesmo se inicie.

O andamento de cada pesquisa clínica é, ainda, acompanhado por um comitê – Data and Safety Monitoring Board (DSMB) – o qual revisa as informações colhidas no estudo, enquanto este está em andamento, para assegurar que os participantes não estão expostos a riscos desnecessários. Um DSMB pode recomendar a interrupção da pesquisa devido a questões de segurança ou concluir que o objetivo do estudo já tenha sido atingido. As recomendações do DSMB devem ser obedecidas. Portanto, as empresas que patrocinam os estudos não têm controle absoluto sobre o seu desenvolvimento.

Para participar de um estudo clínico, todos os voluntários devem ser adequadamente informados sobre os potenciais riscos e benefícios, procedimentos ou tratamentos alternativos, natureza e duração da pesquisa; devem ainda ter o direito assegurado de que suas dúvidas serão esclarecidas por um profissional de saúde qualificado. Após conhecer esses fatos, cada voluntário que concordar em participar do estudo, deve assinar um termo, conhecido como consentimento informado, atestando sua plena compreensão e sua livre decisão de participar do estudo.
Ainda, uma vez que a participação no estudo é voluntária, todos os participantes da pesquisa têm o direito de abandonar o estudo a qualquer momento.

Até hoje, não se conhece outra forma de avaliar as propriedades de um medicamento e seus efeitos em nosso organismo, sem que este seja testado em seres humanos. Assim, a condução de pesquisas clínicas é essencial no processo de estudo e desenvolvimento de novos medicamentos. Todos os esforços são feitos no sentido de garantir que essa pesquisa seja conduzida dentro dos mais elevados padrões de ética e qualidade. É a única maneira de garantir a evolução da ciência e a descoberta de medicamentos capazes de salvar vidas ou de melhorar a qualidade de vida de pessoas em todo o mundo.