terça-feira, dezembro 11, 2012

QUOSQUE TANDEM

Encerra-se, em 22 de dezembro deste ano, o prazo concedido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para que se apresentem comentários e sugestões ao texto de proposta de Resolução destinada a alterar a Resolução RDC 45/2008, que trata da inexplicável, incompreensível e injustificável “anuência prévia” da Anvisa para a concessão de patentes para produtos farmacêuticos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. As alterações propostas para o texto da RDC 45/2008 demonstram muito bem a insistente irracionalidade e sentimentalismo com que a Anvisa continua a tratar questões relativas à propriedade industrial. Irracionalidade latente mesmo depois da emissão de parecer da Advocacia Geral da União, que foi chamada a manifestar-se sobre o assunto, já que a Anvisa fazia ouvidos moucos aos argumentos do INPI e do setor regulado sobre a sua incompetência administrativa para tratar de assuntos relativos à propriedade intelectual, senão vejamos: Em 22 de julho de 2008 a Procuradoria Federal junto ao INPI enviou e-mail à Advocacia Geral da União para que esta se manifestasse sobre conflito positivo de atribuições gerado pela introdução do artigo 229 C e 230 na lei 9.279/96. O conflito residia no fato de que a Anvisa, para concessão da anuência prévia regulada naqueles artigos estava reexaminando os processos de pedidos de patentes relativos a produtos farmacêuticos pelos mesmos critérios técnicos já examinados pelo INPI o que claramente fugia da competência daquela. O referido conflito foi objeto do Parecer 210/PGF/AE/2009, cuja conclusão, de clareza cristalina, estabelece, que: “Não é atribuição da Anvisa promover exames (avaliação/reavaliação) dos critérios técnicos próprios da patenteabilidade (novidade). atividade inventiva e aplicação industrial) quando da atuação para a anuência prévia (art. 229-C da Lei 9.279. de 1996. acrescido pela Medida Provisória 2006, de 15.12.1999 convertida posteriormente na Lei 10.196. de 2001, pois é uma atribuição própria do INPI, conforme estabelecido na própria lei Lei n° 5.648/70” (grifamos). “A Anvisa, para fins do art. 229-C da Lei 9.279/96 deve atuar em conformidade com as suas atribuições institucionais (art. 6 da Lei n 9.782/99): impedir por meio do controle sanitário a produção e a comercialização de produtos e serviços potencialmente nocivos à saúde humana.” O referido parecer informa, em linguagem absolutamente clara, aquilo que a Anvisa e, em especial seus respectivos procuradores já sabem ou deveriam saber, ou seja, que a atuação da Anvisa vai de encontro ao princípio da legalidade, e de consequência, ao da finalidade. Isto porque “a Anvisa não detém a prerrogativa de atuação para além de suas finalidades institucionais” e o INPI não “pode dispor de parcela de sua atuação, eis que ambos devem atuar em conformidade com a sua finalidade institucional”. Diga-se que este mesmo entendimento já havia sido manifestado pela Consultoria Geral da União que manifestou sua posição no sentido de que a Anvisa somente poderá atuar em relação a procedimentos relativos à propriedade industrial em estreita conformidade com suas finalidades institucionais. Irresignada, e em quixotesca defesa do indefensável, a Anvisa apresentou Pedido de Reconsideração defendendo o seu direito de reexaminar os processos de pedidos de patentes pelos mesmos critérios técnicos utilizados no exame do pedido pelo INPI. A AGU exarou, então, o Parecer 337/PGF/AE/2012 e, pelas mesmas obvias, claras e bem delineadas razões apresentadas no Parecer combatido, houve por bem recomendar o acolhimento do Pedido de Reconsideração. Note-se que os dois pareceres, o original e o do pedido de reconsideração, tiveram a concordância do Diretor do Departamento de Consultoria e foram devidamente aprovados pelo Procurador Geral Federal e pelo Advogado Geral da União. Conflito resolvido? Claro que não. Desde que os pareceres foram publicados e aprovados, há quase 2 anos, a Anvisa tem procurado uma solução qualquer, ainda que torta, para manter o seu reexame dos processos de patentes com base nos parâmetros técnicos que, indiscutivelmente, e confirmado por dois pareceres da Advocacia Geral da União, não são de sua competência. A “solução” encontrada pela Anvisa foi a emissão de uma nova Resolução com pequenas alterações à Resolução RDC 45/2008, conforme proposta contida na Consulta Pública 66/2012. Nesta Resolução, a Anvisa inicia propondo uma alteração para o inciso I do artigo 2º da RDC 045/2008 que parece ir ao encontro da conclusão dos Pareceres da AGU. Pela alteração a “anuência prévia” passa a ser definida como ato da Anvisa, “em cumprimento ao artigo 229C da lei 9.279/96, no qual a Agência verifica se o objeto do pedido de patente é contrário à saúde pública”. Tudo estaria resolvido, não fosse o texto, colocado à sorrelfa, logo abaixo no artigo 4º em que a Anvisa define que será considerado contrário à saúde pública: “o pedido de patente de produto ou o processo farmacêutico que for de interesse para as políticas de acesso a medicamentos e de assistência farmacêutica no âmbito do SUS e não atender aos critérios de patenteabilidade e demais critérios estabelecidos pela Lei 9.279, de 1996”. Em síntese, a Anvisa quer continuar, ainda que na contramão da lei, a se reservar o direito e a competência (que nunca teve) para reexaminar pedidos de patentes relativos a produtos farmacêuticos pelos mesmos parâmetros técnicos já examinados pelo INPI. Afinal, um processo de pedido de patente só é enviado à Anvisa para “anuência prévia” depois de já examinado e considerado aprovado pelo INPI. Como as condições colocadas no inciso II do artigo 4º antes mencionado, para que um produto seja considerado como um “risco à saúde”, são cumulativas, ou seja: (1) o produto tem de ser de interesse para as políticas de acesso a medicamentos e assistência farmacêutica no âmbito do SUS e (2) o produto não atender ao requisitos de patenteabilidade estabelecidos, se a Anvisa não voltar a fazer o que não lhe compete e que não se inclui entre as suas finalidades institucionais, ou seja, reexaminar o processo pelos parâmetros já examinados por quem é competente, o INPI, não terá a menor condição de negar a anuência prévia. Como, em princípio, todos os medicamentos podem ser considerados de interesse para as políticas de acesso a medicamentos e assistência farmacêutica no âmbito do SUS, especialmente em virtude da larga interpretação que os tribunais pátrios têm dado ao artigo 196 da Constituição Federal, a Anvisa, se a Resolução for publicada na forma proposta na Consulta Pública, ela voltaria a reexaminar todos os processos de patentes relativos a medicamentos pelos mesmos critérios técnicos do INPI em total e aberta desconsideração do parecer das autoridades competentes. Caso tal aconteça, as autoridades emissoras dos pareceres ignorados pela Anvisa deveriam tomar todas as medidas legais e administrativas no sentido de ter sua competente decisão respeitada. Publicado em MIGALHAS em 11/12/2012