segunda-feira, setembro 25, 2006

O Preço dos Medicamentos para AIDS

Intrigou-me, sobremaneira, a entrevista de Eloan Pinheiro, publicado dia 22/11 por este jornal, expondo suas preocupações com relação à produção de medicamentos no Brasil, especialmente os destinados ao tratamento da Aids. A dra. Eloan é, indiscutivelmente, uma profissional competente. Entretanto, sua paixão pelo tema fez com que alguns aspectos fossem vistos, ou entendidos, com olhos e mentes um pouco distanciados da realidade.

Inicialmente, informa-se que os preços dos produtos para Aids no Brasil estariam entre os mais altos do mundo, sem se indicar os países usados como base de comparação. É óbvio que, comparado com os preços oferecidos a um grande número de países africanos, centro americanos, caribenhos e do Sudeste Asiático, o preço no Brasil é mais alto. Por outro lado, comparado com os preços de países europeus, EUA e mesmo de alguns países da América Latina, o preço no Brasil é, sem dúvida, mais barato.

Com o programa de facilitação de acesso a medicamentos para Aids , o "Accelerating Access Iniciative", lançado em maio de 2000, as maiores empresas de pesquisa de medicamentos para Aids no mundo, passaram a oferecer preços diferentes para países em situação diferente em relação ao tratamento da Aids, baseados na prevalência do número de casos em determinado país e o seu Índice de Desenvolvimento Humano.

De acordo com relatórios de acompanhamento do projeto, o programa beneficiava, até junho deste ano 49 países, a maioria na África. Desse modo, não é possível fazer uma alegação genérica de que os preços são elevados em um determinado país.

Ainda em relação a esse assunto, continua-se insistindo bastante na percepção de que a produção de produtos genéricos feita pelos laboratórios oficiais seria suficiente para reduzir ainda mais os já reduzidos preços oferecidos pelos fabricantes de medicamentos de referência ou por fabricantes privados de genéricos.

É importante que se tenha em mente que, a própria Anvisa indica que nenhum laboratório estatal, inclusive o Farmanguinhos, produz genéricos de anti-retrovirais. Os laboratórios produzem similares, que são cópias que não têm comprovação de bioequivalência, ou seja, não se sabe se, de fato, produzem o mesmo efeito dos produtos de referência.

Isso acontece porque a produção de medicamentos por laboratórios públicos depende da compra de matérias-primas de terceiros. Como essas compras devem ser feitas de acordo com a Lei de Licitações, ou seja, pelo menor preço, o fornecedor de matérias-primas poderá ser sempre diferente, o que implica que as matérias-primas não mantêm os mesmos padrões técnicos, o que impede a manutenção de uma eventual comprovação de bioequivalência.

No período em que o Brasil não reconhecia patentes, a industria não se preparou para pesquisar medicamentos. Assim, não se consegue garantir 100% da qualidade desejada, o que não deveria acontecer. Produtos desse tipo não deveriam estar sujeitos a variações de qualidade, que podem comprometer a eficácia do medicamento e contribuir para a criação de resistência por parte do vírus.

Há quem sugira que boa parte dos custos associados a medicamentos para Aids seja transferida para o preço de outros medicamentos. Isso, segundo os defensores da tese, comporia o que se poderia chamar de "preço humanitário". Entretanto, se isso acontecesse, que doença deveria ser penalizada para pagar o custo do tratamento da Aids? Como o mercado de medicamentos é muito similar a todos os outros, ou seja, há um preço-limite para que o consumidor adquira o produto, ultrapassado esse limite haveria a busca por medicamentos mais baratos, mais antigos, com menor eficácia e, certamente menos seguros.

Há, ainda, no mercado, grande clamor para que as empresas brasileiras de genéricos se empenhem mais em baixar preços para vender mais e concorrer com produtores da Índia e da China. Talvez isso ocorra em longo prazo. Hoje, não há capacidade produtiva ou "know-how" suficiente no Brasil para tanto. O fato é que durante os últimos 45 anos, quando o Brasil não reconhecia patentes de medicamento, a industria nacional não se preparou para pesquisar e desenvolver medicamentos. Contentou-se em copiar, importando matéria-prima.

A Índia, por exemplo, usou esse tempo para desenvolver um grande parque industrial, não só de produtos acabados, como de matérias-primas farmacêuticas.

Desde que a infecção pelo HIV passou a ser controlada pelo uso do chamado "coquetel", composto por medicamentos inibidores de trascriptase reversa e inibidores de protease, produtos que resultaram de anos de pesquisa e investimento de bilhões de dólares, temos chamado a atenção para o fato que o acesso a medicamentos não é baseado única e exclusivamente em preço.

O preço do medicamento é um pequeno componente de uma enorme equação. Esta equação, bem conhecida dos especialistas em tratar a Aids, é composta por acesso a clínicas, boa alimentação, boas condições de higiene, condições do sistema de distribuição, vontade política, entre outros.

É importante que se esclareça que reduções nos direitos de propriedade intelectual não irão contribuir para a solução do problema. Oito anos atrás, um diagnóstico de infecção pelo HIV significava uma sentença de morte em curto prazo.

A partir de 1996, graças à pesquisa e desenvolvimento de produtos eficazes, ao custo de bilhões de dólares, a infecção pode ser controlada por longo tempo. Mas não para sempre. O vírus é altamente mutante e desenvolve resistência aos medicamentos usados por prazos longos.

Portanto, serão necessários, até que se encontre a cura, de pesquisa e desenvolvimento contínuo de novos medicamentos e, por conseqüência, altíssimos investimentos que, sem um retorno adequado, poderão inviabilizar a continuidade da pesquisa.

VALOR ECONÔMICO - 01/12/2004

"Quebra de Patentes" - Ameaça à Pesquisa

Não se discute que o Programa Brasileiro da AIDS tem grandes méritos.

Os números disponíveis demonstram o sucesso do programa que ,segundo dados divulgados
pelo Ministério da Saúde, possibilitou uma economia, entre 1996 e 2002, de mais de R$ 2 bilhões para os cofres públicos.

Os dados do Ministério mostram, por exemplo, que diversos medicamentos estão sendo comprados hoje a preços significativamente menores quando comparados aos valores pagos no ano de lançamento.

Assim, verificamos que, até o ano de 2003, (1) o Nelfinavir teve seu preço reduzido em 56,5%, (2) o Lopinavir em 56,2%, (3) o Efavirenz em 77,4% e o Atazanavir em 76,4%.

Dados do mesmo Ministério, publicados pela Dra. Cristina Almeida e pelo Dr. Paulo Teixeira indicam que o governo economizou, entre 1996 e 2002, R$ 2,2 bilhões com o tratamento de HIV positivos, sendo R$ 1,2 bilhão em custos de hospitalização e de tratamento de infecções oportunistas, e R$ 960 milhões em descontos na compra de medicamentos antiretrovirais.

Mas os medicamentos que possibilitaram a economia acima mencionada não existiriam se a indústria de pesquisa não estivesse disposta a gastar dezenas de bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento.

Vistos os dados acima, fica difícil entender porque, todos os anos, o Ministério da Saúde do Brasil
alardeia aos quatro cantos da terra que vai decretar a Licença Compulsória dos medicamentos patenteados, utilizados no programa.

O mote da ameaça é sempre o mesmo, ou seja: 3 medicamentos consomem mais de 60% do orçamento do Ministério para o Programa da AIDS. Os referidos medicamentos nem sempre são os
mesmos.

Mais difícil de compreender, senão como exercício de política paternalista, com fins eleitoreiros, é a tramitação na Câmara Federal de vários Projetos de Lei que transformam os medicamentos para AIDS em produtos não patenteáveis.

É preciso lembrar que foram justamente os Direitos de Propriedade Intelectual que ajudaram a
transformar a AIDS de “sentença de morte” em “doença crônica” tratável.

A pesquisa precisa continuar e precisa ser remunerada. Todos os que conhecem um pouco sobre a AIDS e o vírus HIV, sabem que este é extremamente mutante e requer pesquisas continuadas e
altos investimentos constantes na busca de novos medicamentos que substituam aqueles aos quais o vírus se torne resistente.
Sem a possibilidade de patentear o produto ou diante de real ameaça de licenciamento compulsório, quem vai se dispor a investir mais de US$ 800 milhões no desenvolvimento de novos produtos?

Que não se diga, como justificativa para aprovação do projeto, que a propriedade tem de servir à sua função social. A função social de uma patente é exatamente a transmissão do conhecimento, depois de recuperados, quando possível dentro do prazo legal, os investimentos despendidos na invenção do novo produto. Mais que isso, os descontos já concedidos ao governo e mencionados acima são cabal demonstração da consciência que as empresas têm de sua responsabilidade social.

O que incomoda nas repetitivas alegações do governo é a aparente falta de transparência sobre as verdadeiras razões para as ameaças e para a proposição dos diversos Projetos de Lei impedindo o
patenteamento de medicamentos para AIDS.

O governo não informa (com a mesma veemência com que defende a quebra de patentes), ao público ou à mídia, por exemplo, que o orçamento do Programa da AIDS para o ano de 2004 (cerca de R$
540 milhões) é quase 15% menor do que o orçamento do programa em 1999 (cerca de R$ 620 milhões) e que, como conseqüência, o orçamento do programa, que já foi 3,2% do orçamento do
Ministério, hoje representa apenas 1,8% do mesmo.

É importante que se saiba, ainda, que este orçamento menor foi suficiente para que em 2004 se tratasse o dobro do número de pacientes (155 mil) tratados em 1999 (76 mil).

Como se pode fazer alegações de Emergência Nacional em bases exclusivamente de custo, que, aliás, têm sido menor a cada ano, para justificar uma medida de exceção como o Licenciamento Compulsório de um direito de propriedade industrial garantido pela legislação brasileira e por tratados internacionais de que o Brasil é signatário?

Ou, pior que isto, o impedimento de se patentear os medicamentos? A justificativa fica ainda mais difícil, e questionável em termos éticos, quando, segundo dados divulgados pelo jornal “Folha de São
Paulo”, este mesmo governo gastou em propaganda R$ 525 milhões em 2004 e vai gastar R$ 620 milhões até o final deste ano. Um governo que gastou em propaganda em 2004 praticamente o
mesmo valor que gastou na compra de medicamentos para AIDS não pode achar que este valor é grande o suficiente para justificar a decretação de uma Emergência Nacional.

GAZETA MERCATIL – 08/06/2005