segunda-feira, outubro 31, 2005

UM POUCO DE TRANSPARÊNCIA, POR FAVOR!

É absolutamente incrível que muitas pessoas ditas esclarecidas continuem a procurar um único e exclusivo culpado pela falta de acesso aos medicamentos por determinada parcela da população brasileira e mundial e, convenientemente, encontrem o culpado na indústria farmacêutica.

As repetitivas alegações destas pessoas denotam falta de transparência sobre as verdadeiras razões para as ameaças e para a proposição de diversos Projetos de Lei impedindo o patenteamento de medicamentos para AIDS. Não informa, ao público ou à mídia, por exemplo, que o orçamento do Programa da AIDS para o ano de 2004 (cerca de R$ 540 milhões) é quase 15% menor do que o orçamento do programa em 1999 (cerca de R$ 620 milhões) e que, como conseqüência, o orçamento do programa que já foi 3,2% do orçamento do Ministério, hoje representa apenas 1,8% do mesmo.

Além disso, este orçamento menor foi suficiente para que em 2004 se tratasse o dobro do número de pacientes (155 mil) tratados em 1999 (76.000).

Embora esses números sejam (repentinamente) alterados sem que se explique a razão, tenho cópias de documentos baixados de sites oficiais e de apresentações feitas por membros do governo, inclusive de março deste ano, que apresenta os números como mencionados acima.

A idéia de que se pode tratar, a cada ano um número maior de pacientes por valores que diminuiriam ano a ano denota falta de responsabilidade. Sim, porque o governo é responsável por orçar seus gastos e o faz mal. Segundo dados divulgados pelo jornal “Folha de São Paulo”, este mesmo governo gastou em propaganda (para falar bem de si mesmo) R$ 525 milhões em 2004 e vai gastar R$ 620 milhões até o final deste ano.

O livro “The Cost of Rights”, escrito por Stephen Holmes, Professor de Política da Universidade de Priceton e por Cass R. Sunstein, Professor de Filosofia do Direito da Universidade de Chicago, explica bem que direitos custam dinheiro e que os governos devem estar preparados para pagar pelos direitos que concede. Este não parece ser o caso do Brasil, cuja constituição é pródiga na distribuição de direitos e bastante módica na indicação das fontes de receita que pagarão pela concessão desses direitos.

Os ativistas com o real sentido da responsabilidade que lhes cabe não podem aceitar gastos governamentais em propaganda em 2004 praticamente do mesmo valor que o gasto na compra de medicamentos para AIDS.

Dito isto é necessário que se desfaçam definitivamente as dúvidas geradas por informações baseadas em mitos sobre as patentes, em nome da transparência:

1- As leis de patentes não são novas. As mais antigas remontam ao ano de 1474. As leis internacionais, inclusive a Convenção de Paris de 1883, não fazem qualquer restrição ao patenteamento de medicamentos desde que obedecidos os mesmos pré-requisitos para patenteamento de qualquer outro produto.

2- As leis de propriedade industrial estimulam, sim, novas descobertas. Basta ver-se o número de novos medicamentos para toda sorte de doenças, descobertos nos últimos anos em países como Japão, Itália, Suíça e outros que passaram a observar direitos de propriedade industrial nos últimos 35 ou 40 anos. Da mesma forma, a aprovação da lei no Brasil colaborou para que os laboratórios locais, mesmo os do governo, apresentassem uma série de pedidos de patentes de medicamentos.

3- O tempo de exclusividade de um produto farmacêutico no mercado é, em média, de 10 anos e não de 20 como repetem pessoas que sabem exatamente qual é a verdade. Isto ocorre porque o prazo de 20 anos de uma patente começa a correr na data do depósito do pedido e, entre o processo de criação do produto, das pesquisas clínicas e da aprovação pelo órgão regulatório (ANVISA no Brasil) consome cerca de 10 anos.

4- Não há monopólio no tratamento de doenças. O que se patenteia é o medicamento (a molécula) que concorrerá (como de fato concorre) com outros medicamentos patenteados e ainda outros que já não gozam de proteção patentária. Quantos medicamentos patenteados e não patenteados há no mercado para o tratamento da AIDS, de hipertensão arterial, de hipercolesterolemia ou de infecções? Só para o tratamento da hipertensão arterial, há dezenas sem proteção patentária.

5- A descoberta de novos medicamentos e a continuidade das pesquisas são responsáveis pela redução da mortalidade e dos gastos em tratamento dos portadores de HIV/AIDS. Não há como negar. Aliás, as estatísticas do Ministério da Saúde permitem que facilmente se chegue a esta conclusão. Se a situação é diferente na África, e em alguns outros lugares do mundo, é porque não há infra-estrutura que permita que o medicamento chegue onde é necessário e não há médicos e clínicas para fazer o acompanhamento dos doentes. Portanto o que impede o tratamento não é a falta de medicamentos mas a falta de estrutura.

Finalmente, o Brasil não reconheceu patentes de medicamento de 1945 até 1996 – cinqüenta e um anos – e não reconheceu patentes de processos de fabricação de medicamentos de 1969 até 1996 – vinte e oito anos. Neste tempo todo, nem a indústria nacional, nem o governo se dedicaram como deveriam a criar uma indústria nacional de pesquisa e desenvolvimento. Hoje o Brasil tem uma indústria de base, na área farmacêutica, menor e muito menos ativa que as da Índia e da China, apenas para citar dois exemplos de países que hoje, também respeitam as patentes de medicamentos.

Agora, com a proteção dos direitos de propriedade industrial, talvez haja incentivo para que as empresas brasileiras iniciem seu caminho na pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos que serão necessários no futuro para tratar de patologias ainda sem tratamento definitivo.

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