terça-feira, fevereiro 08, 2011

Do Fim de Uma Aberração Jurídica

A Medida Provisória 2.006 de 1999, várias vezes reeditada sob diferentes números (o último foi o MPv 2105-15) e, posteriormente transformada na Lei 10.196 de 2001 incorporou uma das maiores aberrações jurídicas já vistas no Brasil. Isto porque acrescentava à Lei 9279/1996 (Lei de Propriedade Industrial) o “pitoresco” artigo 229C.

Por força do artigo de lei acima citado, criou-se aberração jurídica e administrativa, pois determinou que as patentes de produtos farmacêuticos somente fossem concedidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial depois de revisão e prévio consentimento da ANVISA.

Na prática, criou-se um processo administrativo digno de Kafka em que um pedido de patente é examinado pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e, caso fosse considerado procedente e de acordo com a lei pelo órgão competente para o exame de patentes no Brasil, antes de publicar a concessão, o INPI deveria o processo para a ANVISA para que esta informasse se estava “de acordo” com o exame feito pelos técnicos do INPI.

A lei 10.196/01 nunca disse (jamais tendo sido regulamentada), quais seriam as bases e diretrizes segundo as quais a ANVISA poderia conceder ou deixar de conceder o aludido “consentimento prévio” nem mesmo que aspectos do processo – já aprovado pelo INPI – deveriam ou poderiam ser revistos pela ANVISA.

A introdução do artigo 229C na Lei de Propriedade Industrial gerou uma interna entre órgão de dois Ministérios diferentes sobre qual deles, afinal, teria poderes para concessão de patente de medicamento. A disputa se travava entre o INPI, autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio e a ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Mais que isso, referido artigo gerou a criação, dentro da ANISA, de um departamento inteiro, com vários funcionários, dedicados a “refazer” o trabalho feito pelo INPI, sabe-se lá a que custo para o já sobretaxado contribuinte brasileiro.

Instada a se manifestar sobre a exótica disputa, a Advocacia Geral da União (AGU), após examinar longamente a matéria, finalmente, como informa o jornal “Estado de São Paulo” de 24 de janeiro de 2011, emitiu parecer concluindo pelo absurdo da situação.

No referido parecer, assinado pelo Advogado-Geral da União, a AGU conclui que a ANVISA não tem competência para examinar pedidos de patente, devendo restringir-se a verificar se o medicamento, cuja patente se está pedindo oferece, ou não risco sanitário.

Neste ponto vale lembrar que este poder a ANVISA sempre teve e deve ter. Aliás dentre os principais documentos que compõe o processo de registro de um medicamento estão os que devem provar que o medicamento não só é eficaz como também apresenta segurança em seu uso.

Melhor explicando, cada um desses órgãos governamentais tem sua função (e competência), aliás, estipulados nas legislações que os criaram. Assim (1) A função/competência da ANVISA está devidamente circunscrita no conteúdo da Lei 9.782/99, que a criou e determinou sua competência, estabelecendo que a ANVISA tem como finalidade a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de medicamentos entre outros produtos, como por exemplo, alimentos e (2) A função/competência do INPI, conforme definido pela lei 9.279/96 é executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial (como marcas e patentes), tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica.

Assim, como se pode verificar a implementação da Lei da Propriedade Industrial (que inclui a concessão de patentes) ficou a cargo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, que é o órgão criado para este fim e dotado da estrutura e das competências de pessoal necessárias para o desempenho desta função.

Assim é no mundo inteiro onde agências ou escritórios especializados desempenham tal função. Os exemplos mais óbvios são o “Patent and Trademark Office” – PTO -, dos Estados Unidos da América do Norte, e o “European Patent Office” – EPO -, da Comunidade Européia. Na América Latina há o “Instituto Mexicano de la Propriedad Industrial” – IMPI -, e a “Administración Nacional de Patentes” – ANP da Argentina.

A defesa da aberração jurídica passou por diversas explicações bastante criativas, inclusive a alegação de que o reexame seria necessário porque, como o Brasil não reconhecia patentes de produtos farmacêuticos desde 1945 e não reconhecia patentes de processos de produção destes produtos desde 1971, o INPI não tinha mais know-how para este tipo de exame.

Fosse este o caso, seria muito mais eficaz e racional treinar os funcionários do próprio INPI do que colocar seus atos sob suspeita e dar-lhe um “supervisor” em órgão sem competência institucional para tal.

Defensores da existência dessa indefensável aberração jurídica, na tentativa de dar-lhe sobrevida apelam para argumentos essencialmente emocionais (e ainda assim distantes da realidade) no sentido de que o parecer da AGU dificultará a entrada de genéricos no mercado brasileiro. Não há argumentos para sustentar tal alegação.

Finalmente, o representante da ANVISA, segundo o jornal teria dito que não entende o interesse da AGU em alterar o procedimento, pois o Parecer “não atende aos interesses da população nem do governo”. Ora, a AGU não existe para atender a interesses de um ou de outro, mas sim de se certificar que os órgãos do governo e autarquias cumpram a legislação.

Migalhas - Janeiro 2011

Um comentário:

CORINTHIANO...SEMPRE !!!! disse...

Olá Marcos!

Tudo bem?

Espero que sim.

Fui estagiário na ALM por um pouco mais de dois anos. Não sei se está lembrado de mim. Me chamavam pelo meu sobrenome: PERNA.

Eu o localizei através do site linkedin e gostaria de conversar contigo. Tem um e-mail ou telefone para contato?

Grato pela atenção.

Rodrigo Perna
rodrigoluizperna@yahoo.com.br
(11) 7212.7031