terça-feira, maio 13, 2008

Por que o Brasil resiste à inovação?

Assunto insistente para alguns, polêmico para tantos e essencial para toda a nação: quem deve pagar pela demora da análise das patentes de produtos químico-farmacêuticos? Certamente não podem ser avaliados apenas os interesses de um lado. Para que o brasileiro discuta esse tema com propriedade, é preciso apresentar fatos e argumentos.

No topo da lista dos problemas que trazem essa discussão à tona figura a demora no processo de análise dos pedidos de patentes, que chega a até 10 anos no Brasil. Nos outros países, essa média é de cinco anos, a depender da complexidade do objeto analisado. O que faz com que o Brasil demore até o dobro da média dos demais países?

O exame desses pedidos é lento por natureza. Trata-se de um processo extremamente técnico, envolvendo profissionais especializados. Deve-se levar em consideração, para o reconhecimento de uma patente, três critérios fundamentais: novidade, atividade inventiva envolvida e possibilidade de aplicação industrial. No caso das indústrias químicas e farmacêuticas, pela própria aplicação dos objetos e complexidade, este processo não tem como ser rápido. Dez anos, porém, está além do que se justifica esperar. O próprio Ministério da Saúde, recentemente, reconheceu isso.

Saem prejudicados nesta demora, principalmente, os depositantes de patentes que correm o risco de, durante o longo tempo de espera pela aprovação, ter seu objeto desrespeitado por terceiros, não dando aos investidores, portanto, a segurança jurídica necessária.

Um depósito de uma patente cria para o depositante o que se chama de “uma expectativa de direito”; ou seja, ele terá direito ao período de exclusividade para o seu produto, pelo prazo legal, contado da data em que efetuou o depósito da patente perante o INPI. Devido à demora e à complexidade envolvidas no processamento de um pedido de patente, o produto objeto daquele pedido pode já estar no mercado há vários anos quando a patente for finalmente concedida ou negada. Importante lembrar que, passados os primeiros 18 meses da data do depósito, os processos de patentes são públicos e podem ser vistos por qualquer interessado que também pode tentar impugná-los.

Como, então, se fazem negócios com produtos cujas patentes estão ainda pendentes de concessão?

Normalmente, se o comprador/vendedor de um produto cujo pedido de patente está sendo não arrisca a compra/venda do produto de um terceiro qualquer, dentro ou fora do país –conforme o caso - é porque o comprador/vendedor tem fortes razões para acreditar que se trata de um produto, cujo pedido de patente é sólido e, portanto, com enormes chances de concessão.

Se não fosse assim, o comprador/vendedor poderia correr o risco pois, mais tarde, a patente não seria aprovada, e ele não teria de ressarcir o detentor da patente pelas perdas e danos causados pela violação daquela patente.

Trata-se, portanto, de uma aposta que fazem tanto o comprador quanto o depositário da patente. O pedido, por si, não gera nenhum direito – mas a expectativa de que ele venha a ser reconhecido sim. Todo terceiro (isso inclui o próprio Governo) que adquire freqüentemente mercadorias em processo de análise de patente (como a de medicamentos), acaba por assumir algum risco quando resolve apostar ou não na validade do objeto do pedido de patente depositado.

Voltemos, agora, ao cerne do problema: a lentidão no processo de aprovação dos pedidos de patente. É justo, antes, citar que nos últimos anos o INPI – Instituto Nacional de Patentes Industriais, responsável por essa análise, tem se esforçado significativamente para agilizar seus processos. Seja na reforma da sua infra-estrutura, contratação de pessoal qualificado ou na mudança do sistema, é preciso destacar o esforço do atual presidente do instituto, Jorge D’Ávila, em otimizar as análises dentro do INPI.

Há, porém, um fator, específico, que dificulta significativamente este processo, tornando-o ainda mais longo, ainda que haja um esforço do INPI para agilizá-lo. Trata-se do instituto da Anuência Prévia pela ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, criada pelo artigo 229 C da Lei de Propriedade Industrial. Com ele, os pedidos de patentes de produtos farmacêuticos, após analisados por uma equipe altamente especializada, inclusive composta por químicos e farmacêuticos, são obrigados a passar também por uma anuência prévia da ANVISA. Por que um pedido de patente deve passar por dois órgãos do mesmo Governo, quando apenas uma deles, neste caso o INPI, é o competente para esse fim?

Ao INPI cabe a análise dos pedidos de patente, julgando os critérios básicos através de uma análise técnica cuidadosa. À ANVISA, por sua vez, caberia apenas o papel de analisar se o que está no mercado oferece algum risco à população, exercendo se preciso seu poder de polícia através da punição aos que descumprem suas determinações legais ou impedindo o registro de produtos que não comprovem benefício efetivo. Não se discute aqui o papel fundamental da ANVISA, mas se questiona a necessidade de sua entrada num processo cuja responsabilidade pertence apenas ao INPI, com competência para julgar se o pedido de uma patente é lícito ou não. Com os dois órgãos fazendo o mesmo trabalho, é como se o tempo de análise fosse praticamente dobrado de forma desnecessária.

É preciso também lembrar, mais uma vez, que todo processo de análise de patente é público a partir do 18o mês após o depósito. Qualquer terceiro interessado em contesta-lo com argumentos plausíveis pode intervir. Com tamanha transparência, não se justifica o consumo dobrado de tanto tempo e recursos.

Não se pode criar aqui figuras de vilões ou heróis, beneficiados ou preteridos, já que a lei é justa com todos. Há uma clara necessidade, apenas, de que os direitos de propriedade dos objetos que demandam muitas vezes anos de pesquisa e investimento sejam defendidos. Esse deve ser mais do que um papel da lei – deve ser uma exigência de todos os envolvidos no mercado.

Todos ganham com o bom funcionamento dessa engrenagem: desde o fabricante, que tem seu direito preservado e retorno financeiro garantido, até o consumidor final, que tem acesso aos mais diversos produtos fabricados com uma tecnologia que pode desde tornar mais barato e eficiente um combustível até produzir medicamentos capazes de curar doenças e salvar vidas. Neste caso, tempo é mais que dinheiro perdido – torna pessoas reféns de um sistema burocrático, lento e nem sempre justo em suas análises movidas, ás vezes, mais por questões políticas derivadas de reações emocionais.

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