quarta-feira, novembro 16, 2005

Legislar é Preciso. Planejar, Para Que?

Com raras exceções, os governos – sejam eles federais, estaduais ou municipais – têm, de modo geral, certa aversão ao planejamento de longo prazo. Isto é verdade não só no Brasil, como em um bom número dos países do mundo.

Isto ocorre porque os governos são eleitos, no mais das vezes, para mandatos que variam entre 4 a 6 anos e que, por definição, não comportam planejamento de longo prazo. Além disso, cada governante e cada partido político eleito para determinando mandato está mais interessado em deixar "a marca" da sua administração do que em concluir obras e projetos de administrações passadas, com as quais por razões por vezes até ideológicas não concorda. O efeito desta linha de raciocínio tortuosa sobre a população não importa muito mesmo, porque a memória do povo e por conseqüência do eleitor, é curta.

Por óbvio, o poder legislativo também padece desse mesmo mal; seja porque aprova medidas provisórias cujos efeitos não foram pensados em longo prazo, ou porque propõe, vota e aprova projetos de lei com o mesmo viés. Afinal, embora haja maiores chances de reeleição para vereadores e deputados, o mandato é igualmente de quatro anos. Os senadores detêm mandatos de oito anos o que tampouco os incentiva a planejar.

Há casos e mais casos para exemplificar esta forma de atuação do governo como, por exemplo, o Plano Cruzado, para citar apenas um dos diversos planos econômicos que passaram pelo Brasil e que, não só não foram solução para os problemas que atacavam, mas, muito mais que isso, foram fontes geradoras de novos problemas. Alguns não devidamente solucionados até hoje. Quem não se lembra dos empréstimos compulsórios dos tempos dos planos Verão e Verão II?

Na área da indústria farmacêutica, há alguns casos que merecem ser revisitados:

De maneira um pouco simplificada, podemos dizer que a população brasileira, na questão do acesso à saúde se divide em três categorias:

:: Sem nenhum acesso
Esta parcela da população é aquela que não tem acesso a nada. É a que se encontra abaixo da linha da pobreza e, portanto, não tem acesso a educação, alimentação ou saneamento básico. Há nesta categoria cerca de 45 milhões de pessoas.

:: Com algum acesso
Esta parcela da população tem alguma fonte de renda, ainda que deficiente, encontra-se próxima de centros com alguma infraestrutura nas áreas de saúde, educação e alimentação. As pessoas nesta categoria têm dificuldade para adquirir medicamentos e/ou para se manterem em tratamento medicamentoso. Nesta categoria temos cerca de 65 milhões de pessoas.

:: Com acesso
Nesta parcela encontram-se os segurados por diversos meios (inclusive os formalmente empregados) e os auto-suficientes.

Esta divisão da população, indicando um alto número de brasileiros sem acesso à saúde, é o reflexo da péssima distribuição de renda no país, das sucessivas crises econômico-financeiras pelas quais o Brasil tem passado de tempos em tempos e da falta de uma política industrial para o setor de medicamentos – para não falar dos desvios estranhos da verba que compõe o orçamento da área da saúde. Embora isto possa ser visto com certa clareza por alguns, certamente assim não é entendido pelas pessoas que não têm acesso aos medicamentos de que necessitam. Para elas, o problema se resume ao entendimento errôneo – incentivado pelo governo – de que medicamento é caro e de que a indústria farmacêutica abusa nos preços e nas margens de lucro.

O fato é que, ao redigir e votar o texto da Constituição de 1988, nossos congressistas, sem dar a devida atenção ao planejamento de longo prazo, criaram para a União, Estados e Municípios, inúmeras obrigações sem se preocupar em estabelecer as fontes de renda que pagariam pelo cumprimento das obrigações. Uma delas é a universalização dos cuidados com a saúde que, em tese, dá direito a todos os brasileiros de receberem atenção médica e medicamentos de graça. Então, mais do que a alegada proteção do consumidor, o governo procura meios para reduzir seus próprios custos. Ao mesmo tempo procura aumentar sua receita com aumentos freqüentes da carga tributária. Inclusive sobre medicamentos. Haja contra-senso e paciência!

Ora, com a obrigação e sem a receita correspondente, a saída mais fácil para o governo é tentar adaptar os custos ao seu orçamento e ao poder aquisitivo da maioria da população, por meio do controle de preços. Ou seja, ao invés de se acertar o banquinho, acerta-se o piano.
Diga-se que o controle de preços, inclusive de produtos farmacêuticos no Brasil já foi feito em outras épocas e o resultado sempre foi desastroso. Quem não se lembra do controle de preços exercido pelo Conselho Interministerial de Preços (CIP), de 1968 a 1990?

Como resultado de anos de controle rígido de preços, praticamente despido de qualquer sustentação técnica, o resultado foi que, em meados da década de 80, vários laboratórios multinacionais deixaram o país (Upjohn, Schering-Plough, Novoterápica, Parke Davis). Os nacionais sobreviventes ficaram totalmente sem margem para investir em pesquisa e desenvolvimento, sem o que a indústria farmacêutica de pesquisa, digna deste nome, não existe. A indústria nacional foi impedida de se desenvolver limitando-se a copiar, sem poder aprender a desenvolver seus próprios produtos. Essa falta de investimento é um dos fatores responsáveis pelo fato de que o Brasil é um grande importador de matérias-primas para a indústria química e farmacêutica.

Aparentemente, o governo não só não faz planejamento de longo prazo como tampouco aprende com a história. No ano de 2001, foi reinstituído, com força total, o controle de preços sobre produtos farmacêuticos, inclusive com a criação de um órgão, a Camed (hoje CMED), para cuidar do controle de preços dos produtos farmacêuticos. O real resultado desta política somente será visível em um prazo de oito a dez anos, quando os governantes serão outros e tomarão as medidas que acharem apropriadas, provavelmente sem pensar em repercussões futuras que, como no passado, devem tomar a forma de desemprego, falta de investimentos e, por conseqüência, atraso tecnológico.

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