A RDC 257/2018 e o desejo injustificável da Anvisa
em interferir nas empresas
Revista Consultor
Jurídico, 4 de janeiro de 2019
Por Marcos Lobo de Freitas
Levy e Silvia V. Fridman
Sob o
argumento de que há necessidade “de que se realize análise do impacto
regulatório das alterações da Resolução da Diretoria Colegiada - RDC 010, de 21
de março de 2011, que dispõe sobre a garantia da qualidade de medicamentos
importados”, a Anvisa fez publicar, no Diário Oficial da União de 20 de
dezembro de 2018, a RDC 257/2018, materializando, mais uma vez, o desejo
injustificável da agência de interferir na forma como as empresas reguladas
decidem administrar seus negócios.
A
Resolução RDC 257/2018 retrocede no processo de adequação do cenário
regulatório no Brasil relacionado às atividades de fabricação e de importação
de medicamentos. Essa RDC cancela e/ou suspende determinações da Resolução RDC
234/2018, publicada menos de seis meses antes, que apresentava um avanço
importante nas questões relativas à terceirização.
Importante
frisar que a Anvisa já havia reconhecido publicamente, diversas vezes, que
as restrições à terceirização de atividades empresariais não se justifica e
precisa ser atualizada.
A RDC
257/2018 mantém a restrição à terceirização de atividades de produção,
armazenagem e controle de qualidade de medicamentos.
Embora a
RDC 257/2018 também cause impacto nas atividades de produção, o maior impacto
dessas restrições recai sobre as importadoras de medicamentos, exigindo que
mantenham armazém próprio e obrigando-as a reproduzir aqui no Brasil o
perfil analítico de qualidade realizado pelo fabricante no exterior.
Desde
2007, com a publicação da Resolução RDC 25/2007, as discussões sobre a
terceirização têm sido intensas e acaloradas. A regulação que restringe a
terceirização de atividades procura, talvez, “proteger” o fabricante local,
criando dificuldades para as importadoras. Entretanto, tal proteção pode ser
enquadrada como uma “barreira não tarifária” de ordem técnica, que contraria as
regras de comércio internacional estabelecidas pela Organização Mundial do
Comércio (OMC).
A
restrição imposta com o retrocesso introduzido pela RDC 257/2018 tem ainda
impacto mais expressivo na importação de medicamentos indicados para os
tratamentos de doenças raras, ou seja, aquelas que acometem até 65 indivíduos
em cada 100 mil habitantes. Nesse caso, devido ao reduzidíssimo volume e aos
altos custos de produção, é cristalinamente compreensível que esse tipo de
medicamento seja fabricado em um único parque fabril e exportado de lá para o
mundo todo.
Note-se
que a regulação agora alterada pela Anvisa, especialmente no que se refere aos
aspectos relacionados à qualidade e segurança dos medicamentos, estava
perfeitamente alinhada com as regras internacionais. A RDC 234/2018 exigia,
ainda, o atendimento às disposições que garantiriam a manutenção dos aspectos
de qualidade, como:
(a) as empresas contratadas para atividades de
controle da qualidade disponham de:
·
habilitação
junto à Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (Reblas) para os
ensaios contratados;
·
atendimento
às disposições da Resolução RDC 11, de 16 de fevereiro de 2012, e suas
posteriores atualizações;
·
Certificação
de Boas Práticas de Fabricação, quando se tratar de empresa fabricante de
medicamentos ou produtos biológicos;
·
acreditação
de acordo com a norma ISO 17.025 para os ensaios contratados; ou
·
comprovação
do cumprimento das boas práticas de laboratório, conforme diretrizes
reconhecidas internacionalmente; e
·
a
aprovação final para liberação do produto deve ser dada pela pessoa designada
da empresa contratante.
(b) no caso de terceirização de armazenamento, as
seguintes regras devem ser observadas:
·
a
contratada cumpra com as boas práticas de armazenamento;
·
somente
os lotes de medicamento ou produto biológico que tenham sido liberados para
comercialização pelo detentor de registro poderão ser expedidos para a empresa
contratada;
·
lotes de
medicamento ou produto biológico em quarentena somente podem ser expedidos para
a empresa contratada quando houver, em ambas as empresas, sistemas
informatizados de gerenciamento de materiais integrados ou que possuam
interface entre si; e
·
os
sistemas informatizados de gerenciamento de materiais, assim como a interface
que faz a comunicação entre os sistemas das empresas contratante e contratada
devem estar validados, para fins de atendimento do disposto no parágrafo 1º
deste artigo.
Após a
publicação da RDC 234/2018, as empresas reguladas adequaram todo o seu
planejamento para o gerenciamento de seus negócios no Brasil. Entretanto, em
nova e gritante manifestação da insegurança jurídica que nos torna
mundialmente famosos (no mau sentido), a Anvisa sucumbiu, mais uma vez,
por meio da nova resolução RDC 257/2018, ao seu desejo latente de interferir na
forma como as empresas dirigem seus negócios voltando, a proibir a
terceirização do armazenamento e dos ensaios de controle de qualidade pelas
importadoras, meros seis meses após a sua liberação.
Por tudo
que foi exposto acima, fica claro que o fundamento alegado pela Anvisa para
o retorno ao status quo ante, ou seja, a necessidade de verificar o
impacto das novas regras sobre a garantia da qualidade de medicamentos
importados, é cristalinamente insustentável. A agência parece não considerar o
seu próprio arcabouço regulatório no que se refere à qualidade de medicamentos.
Assim,
resta concluir que a nova RDC é apenas mais um capítulo da “sanfona”
regulatória que faz com que investidores, sejam eles brasileiros ou
estrangeiros, sistematicamente adiem (ou desistam) investimentos, tão
necessários, na área da saúde no Brasil.
Finalizando,
o setor regulado aguarda que a Anvisa responda, com as devidas
justificativas plausíveis, à seguinte pergunta: qual é a
justificativa técnica para obrigar que as importadoras de medicamentos mantenham
armazém e controle de qualidade próprio, principalmente quando existe uma rede
de laboratórios de qualidade e de armazéns devidamente qualificados pela
própria Anvisa e, mais ainda, quando os volumes de produtos importados não
justificam nem uma coisa nem a outra?
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